Publicado em 26/01/2017

A inteligência artificial vai mudar a gestão em 5 anos

“Nos próximos cinco anos, como a tecnologia mudará a gestão?” A essa pergunta, formulada pela revista MIT Sloan Management Review, respondo com segurança: estamos prestes a testemunhar uma grande ruptura na maneira como as organizações coletam, analisam e agem sobre o conhecimento.

A inteligência artificial (IA) em breve fará a gestão evoluir de uma arte para uma combinação de arte e ciência. Não porque estaremos seguindo o comando de mestres robôs de ficção científica, mas porque a IA nos permitirá aplicar a ciência dos dados às interações humanas no trabalho, de um modo que teóricos pioneiros, como Peter Drucker, mal poderiam imaginar.

Já vimos o poder da IA especializada na forma do Watson, da IBM, o sistema que respondeu às perguntas do programa da TV norte-americana Jeopardy!, dando uma surra nos melhores competidores humanos. Também vimos o AlphaGo, do Google DeepMind, derrotar um dos maiores no jogo de tabuleiro chinês Go, Lee Sedol, pelo placar de quatro a um.

Apesar de não poderem passar no teste de Turing, que verifica a capacidade das máquinas de apresentarem comportamento equivalente ao humano, esses sistemas são capazes de processar e manipular enormes quantidades de dados em um ritmo que nosso cérebro não alcança, e é aqui que está o paralelo com a gestão [que vive o mesmo desafio de ritmo]: nos próximos cinco anos, organizações de vanguarda aplicarão IA especializada para construir um complexo e abrangente “diagrama de conhecimento corporativo”.

Assim como um gráfico social (social graph) hoje mostra as relações das pessoas em uma rede social online, o diagrama de conhecimento representará a interconexão de todos os dados e comunicações na empresa. A IA será onipresente na organização e indexará cada documento, pasta e arquivo e também estará no fluxo de comunicação, coletando todo o produto de seu trabalho, de e-mails a compartilhamento de arquivos e mensagens de chats. Será capaz de se conectar com a proposta que você salvar, compartilhá-la com um colega e discuti-la no sistema de mensagens interno.

Tudo isso pode parecer um Big Brother, mas a IA vai oferecer aos trabalhadores do conhecimento ferramentas novas e poderosas para coletar e compreender as informações e agir sobre elas.

A inteligência artificial também nos ajudará a aperfeiçoar o flagelo da produtividade que são as reuniões. Estas serão gravadas, transcritas e arquivadas em um depósito de conhecimento. A qualquer tempo que alguém em uma reunião se habilitar a agir, a IA gravará e acompanhará esse compromisso e automaticamente conectará a realização completa daquela ação à reunião na qual ela se originou. Parece improvável?

BENEFÍCIOS

As tecnologias de IA para classificação, combinação de padrões e sugestão de informações potencialmente relacionadas já são parte de nossa vida diária. Você as encontra cada vez que começa a digitar uma palavra no campo de pesquisa do Google e lhe aparecem opções – ou quando procura um produto na Amazon e o site lhe recomenda outros itens dos quais poderia gostar.

No entanto, o surgimento do diagrama de conhecimento afetará a prática da gestão de três maneiras fundamentais:

1. Dashboards significativos. Hoje esses “painéis de controle” – conjuntos de informações que os executivos acompanham e usam para tomar decisões – são limitados a dados estruturados fáceis de extrair e exportar de sistemas existentes, como receita, número de downloads de aplicativos e dados de folha de pagamento.

Tais métricas têm valor, uma vez que ajudam os gestores a compreender o que aconteceu a suas operações e a identificar pontos críticos para a solução dos problemas.

Porém os diagramas de conhecimento gerados pela IA expandirão enormemente o escopo desses controles. Por exemplo, os gestores serão capazes de avaliar a análise de sentimento da comunicação interna (ou “mining de opiniões”), a fim de identificar os assuntos que são mais discutidos, os riscos que estão sendo considerados e onde as pessoas planejam investir seus recursos-chave (seja de capital ou de atenção).

Os dashboards baseados em IA oferecerão inteligência preditiva que proporcionará um nível totalmente novo de conhecimento sobre a tomada de decisões da gestão. Os computadores não decidirão por nós, mas poderão peneirar quantidades enormes de dados para destacar o que for mais interessante, e isso será aprofundado pela inteligência humana para chegar a conclusões e decidir ações. É a isso que Joi Ito, diretor do MIT Media Lab, chama de “inteligência estendida” – tratar a inteligência como um fenômeno de rede, usando a IA para melhorar, em vez de substituir, a inteligência humana.

2. Gestão de desempenho baseada em dados. Os atuais processos de gestão de desempenho são terrivelmente obsoletos. Um estudo da consultoria Deloitte levantou que apenas 8% das organizações acreditam que seu processo de avaliação anual valha a pena. Uma das maiores razões para essa insatisfação é a falta de dados para balizar a gestão de desempenho objetiva. Para gerir a performance, é preciso ser capaz de medi-la e, na maioria das empresas, isso é simplesmente impossível.

Líderes seniores têm de ser avaliados com base nos resultados gerais da companhia e, embora certas funções, como vendas, tenham métricas objetivas e quantitativas de desempenho, quase todas as áreas baseiam-se em critérios e análises subjetivos. Na falta de dados, a política interna e o viés inconsciente costumam ter grande influência, resultando em um processo viciado e impreciso.

O diagrama de conhecimento permitirá aos gestores identificar aqueles que realmente contribuem para os resultados dos negócios. Você será capaz de saber quem tomou a decisão mais importante para a entrada em um novo mercado e quais pessoas de fato conduziram ações para que isso acontecesse. Se a gestão de desempenho fosse um filme, com a IA ela se tornaria menos O Gladiador e mais Moneyball – O Homem que Mudou o Jogo.

Mesmo que o diagrama de conhecimento reduza o papel da adivinhação e da intuição, o humano ainda estará no comando, exercitando a tomada de decisão bem informada, baseada em dados melhores. A consequência será a alocação mais eficiente de capital humano, conforme mais pessoas forem encaixadas em projetos adequados a seus pontos fortes e os talentos de destaque forem designados a projetos de mais alto nível.

3. Intensificação da mobilidade dos talentos. À medida que aperfeiçoarem a alocação de capital humano, as organizações precisarão fazer um melhor trabalho de apoio à intensa mobilidade de talentos, tanto dentro como fora de suas fronteiras. Na era das conexões em rede, os talentos tenderão a fluir na direção de seu nível de uso mais alto.

Os acordos de “trabalho por missão” [veja quadro abaixo] beneficiarão tanto a empresa como o colaborador, mas as pessoas não são aparelhos que você liga e usa; precisam de tempo para tornar-se produtivas em um novo papel, em grande parte porque leva tempo construir as conexões necessárias em uma nova rede.

O diagrama de conhecimento tornará o início e a orientação em uma nova função mais rápidos e efetivos. Já no primeiro dia de trabalho, o colaborador será capaz de conhecer o diagrama e compreender não apenas sua descrição de cargo, mas também os principais pontos de conexão com que terá de trabalhar.

Em vez de simplesmente receber uma pilha de arquivos e ser apresentado aos colegas, o recém-chegado terá acesso a uma “IA de integração”, que responderá a perguntas como “Com quem preciso interagir na nova dinâmica de trabalho?”, “Quais foram as reuniões em que isso foi discutido?”, “Quando será a próxima reunião de acompanhamento?”.

A IA de integração também permitirá ao novato  perguntar como as coisas eram feitas (“Mostre-me uma nuvem de tags em que meu predecessor investia tempo. Como essa alocação evoluiu ao longo dos últimos 12 meses?”). Sistemas de IA pedirão aos colaboradores que estejam de saída, inclusive, que anotem os principais documentos a serem transmitidos a seus sucessores.

Ou seja, o conhecimento tácito que tipicamente leva semanas ou meses para ser assimilado no ambiente de trabalho atual terá sido capturado e processado com antecedência, de maneira que, nas primeiras horas de uma pessoa nova na função, ela será capaz de aplicar esse conhecimento.

OS PERIGOS

Por todos esses possíveis benefícios, algumas pessoas muito inteligentes estão preocupadas com os potenciais perigos da IA, sejam eles ligados à criação de desemprego ou a conflitos reais, como os decorrentes da aplicação da IA a sistemas de armamentos. É precisamente por isso que eu e amigos como Sam Altman, Elon Musk, Peter Thiel e Jessica Livingston estamos apoiando o projeto conhecido como “OpenAI”, que promove a IA aberta, sem as pressões impostas pela necessidade de gerar retorno financeiro. O objetivo é maximizar a possibilidade de desenvolver uma IA que ajude a humanidade, em vez de ameaçá-la.

A inteligência artificial já chegou – e veio para ficar. Alavancar a IA especializada para aumentar a inteligência humana em áreas como a gestão organizacional é uma forma pela qual poderemos progredir na direção de um mundo em que a IA enriqueça nosso futuro.

 

O TRABALHO POR MISSÃO, UMA NOVA PROPOSTA

O trabalho por missão (tour of duty, em inglês) é um compromisso ético entre empresa e colaborador por tempo determinado. Segundo Reid Hoffman, cofundador do LinkedIn, esse tipo de acordo gera confiança, na medida em que leva as duas partes a serem sinceras sobre seus objetivos e expectativas de tempo de dedicação.

Situado em algum lugar entre o emprego convencional e o job de free-lancers, o trabalho por missão pode ser combinado para um período de quatro ou cinco anos, por exemplo, viabilizando uma perspectiva de mais longo prazo.  Depois, nova aliança poderá ser – ou não – selada, dependendo da vontade das partes.  Além disso, deve ficar claro que mais de um trabalho por missão pode ser assumido por um profissional no mesmo intervalo de tempo.

No livro The Alliance, Hoffman e os coautores Bem Casnosha e Chris Yeh explicam que o trabalho por missão faz com que a relação entre a companhia e seu colaborador se aprofunde aos poucos, com base em reciprocidade. Para quem acredita que esse tipo de acordo só serve para facilitar a demissão de funcionários, Hoffman chama a atenção para um paradoxo: entender que pode perder as pessoas talvez faça a empresa querer construir um relacionamento melhor com elas, que as convença a ficar.  “Esse é o segredo do trabalho por missão.”

 

*Reid Hoffman, autor deste artigo publicado originalmente na HSM Management nº 118, é cofundador do LinkedIn e autor dos livros Comece por Você e The Alliance: Managing Talent in the Networked